(latim virgula, -ae)
substantivo feminino
1. [Gramática ] Sinal ortográfico de pontuação (,) que serve para separar ou isolar membros de uma frase e que pode corresponder na leitura oral a uma pausa de curta duração.
2. [Matemática ] Sinal gráfico (,) que serve separar os números inteiros das fracções decimais.
3. [Brasil] Madeixa encaracolada de cabelo junto à testa ou junto às orelhas.
4. [Brasil] Borboleta diurna.
interjeição
5. Expressão usada para contrariar ou para condicionar algo anteriormente referido (ex.: deixo-o ir, vírgula; deixo se ele prometer ser responsável). = PONTO E VÍRGULA
Tendo
construído uma longa e bem sucedida carreira no negócio funerário, Virgulino Comma
conhecia a importância das vírgulas. Sabia, como ninguém, que cadenciar,
perante as famílias enlutadas, o discurso com aquelas curtas pausas era uma
arma eficaz na arte de comercializar a última viagem.
As
breves interrupções na descrição das infinitas opções fúnebres eram a maneira
de espelhar o luto dos que procuravam os seus serviços. Sentia que a exposição assim
pontuada era bem recebida pelos clientes e que isso os convencia, sem que o
esforço de venda se notasse, a alargar um pouco mais os cordões à bolsa.
Em
bom rigor, Virgulino já não se esforçava para ser assim. Os anos de hábito
fizeram dele um monge virgulativo. A
sua rotina era, automaticamente, pautada por uma cadência lenta, em que cada gesto
era separado do próximo por uma pequena pausa.
Era
como se Virgulino formulasse vírgulas mentais para intercalar todas as suas
acções por mais simples que fossem. Para beber café, Virgulino abria o pacote
de açúcar (vírgula) despejava-o na chávena (vírgula) pousava o pacote (vírgula)
pegava na colher (vírgula) mergulhava-a no café (vírgula) mexia o açúcar
(vírgula) pousava a colher (vírgula) segurava na chávena (vírgula) levava-a à boca
(vírgula) bebia o café, sempre em pequenos e brevemente espaçados tragos.
De
manhã à noite, Virgulino virgulava.
E
virgulou até ao dia em que o negócio fúnebre foi invadido por multinacionais. Estas
empresas faziam das exéquias uma bem oleada cadeia de montagem que não se
compadecia com o ritmo com que Virgulino conduzia o negócio. E os clientes
pareciam apreciar a rapidez e o menor custo com que o assunto era tratado. Virgulino,
antes tão eficaz, era agora um anacronismo.
Reagiu.
Começou a emprestar à sua rotina um dinamismo incessante. A sua vida passou a
ser um corrupio desenfreado sem pausas ou momentos mortos.
Mas
uma prática de anos tornou-o incapaz de viver neste ritmo frenético. A sua existência
passou a ser uma miserável espiral de pequenos incidentes: bebia o café amargo
por se esquecer de o mexer, atabalhoava o discurso perante os clientes ou
entalava-se na porta do carro por não parar para tirar a mão antes de a fechar.
Esta
azáfama durou-lhe o resto da vida, encurtada por um comboio numa passagem de
nível sem guarda. Aparentemente Virgulino não parou, escutou ou olhou, como
recomendava a sinalética. O bonito enterro foi confiado a uma funerária
multinacional.
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