1. Ter um sonho ou sonhos.
2. Fantasiar; devanear.
3. Ter ideia fixa.
4. Cuidar em.
5. Pensar com insistência em.
6. Ver em sonhos.
O
homem que não conseguia sonhar estava sentado à beira do Tejo.
Se
conseguisse sonhar tinha percebido o que a gaivota suspensa sobre o rio lhe
tentava dizer. Que o desafiava a voar com ela em direcção ao sol que se punha,
atrás do barco que partia.
Ouvi-la-ia
contar-lhe as aventuras que se escondem para lá do horizonte. Histórias de
flibusteiros e canhões, tesouros e sangue. Histórias de paixões quentes como o
equador e amores eternos como os gelos polares.
Soubesse
o homem sonhar, perceberia que a prata na superfície da água é a prata verdadeira.
Sonharia pegar em toda aquela prata e comprar tudo o que não se compra: o ocaso
de Junho sobre a barra de Lisboa ou um banco no Jardim da Estrela para se
sentar naquelas tardes de Janeiro em que o Sol não disfarça o frio mas a
companhia nos mantém quentes. Coisas assim.
Saberia,
como só quem sonha sabe, que se pode adivinhar um futuro improvável. Saberia
ainda que quando, inevitavelmente, esse futuro não chegasse, isso não seria
doloroso, não seria uma desilusão. Saberia que sonhar é como saber que se pode
voar como a gaivota e ao mesmo tempo saber que é impossível voar quando não se
é uma gaivota.
Perceberia,
enfim, que o sonho afinal não comanda a vida. Porque o sonho é a vida. É a
parte da vida que nos mantém conscientes da vida real, aquela que não é sonho.
Que nos dá a distância para perceber que a realidade por vezes supera o absurdo
e, exactamente por isso, nos deixa a doce dúvida sobre a possibilidade de
concretizar o que sonhamos. O que às vezes acontece.
Se o
homem soubesse sonhar, tinha ali ficado a perder-se em sonhos de prata, de ouro
e de aventuras, embalados pelas ondas do rio e pela sedução laranja que o
horizonte de Lisboa às vezes forma a poente.
Mas
não sabia sonhar.
Levantou-se,
virou as costas as costas ao rio e voltou para casa.