domingo, 2 de fevereiro de 2014

Arredio

adjectivo
1. Que anda arredado dos lugares ou pessoas que frequentava.
2. Arisco.

Aqui há tempos vi um documentário sobre os hikikomori, jovens japoneses que se isolam nas suas casas e são incapazes de manter qualquer contacto com o exterior, em alguns casos durante décadas.

Em Portugal temos um caso notável dessa patologia: o Banco de Portugal. Diz-nos a história recente que quando o polícia do nosso sistema financeiro quer saber o que se passa não vai lá ver. Manda perguntar por escrito. Parece que os excelentes quadros do Banco de Portugal não gostam da realidade que vive fora dos seus gabinetes. Afligem-se de a ver, cheirar ou tocar.

No mais recente sintoma, o Banco de Portugal lançou na sua página um inquérito sobre a qualidade das notas em circulação. Seria mais fácil ir para uma agência bancária ou uma banca de peixe, sítios onde parece que circulam algum dinheiro, mas isso obrigaria a contactar com as notas cujo estado se quer conhecer, o que é inconcebível para o arredamento a que o Banco se condena.

O inquérito é um pouco pobre. Tem apenas dez perguntas, quatro das quais sobre os dados do respondente, deixando apenas seis para aquilo que supostamente querem saber, o estado das notas. Claro que um questionário tão exíguo deixa de fora as características que mais nos preocupam, a sua escassez e fugacidade. As notas rareiam e as poucas que nos entram na carteira arranjam logo um pretexto para sair. 

Sendo curto, o inquérito não deixa de mostrar que a boa disposição não abandonou o supervisor. Das seis perguntas sobre notas, duas respeitam às de 50. Ver uma nota dessas na minha carteira é como ver nevar em Lisboa, uma ocasião rara e feliz. Em vez de perguntarem pelas notas de vinte (frequente como a chuva, para manter a analogia) ou de dez (algo que vejo tantas vezes como táxis a cair de maduros), escolheram a via do humor sardónico e perguntam-nos sobre algo que desconhecemos. Como é que sei que nos estão a gozar? Porque uma das opções de resposta é “não sei”. Mais cómico só acrescentando “nunca vi”.

O que o Banco de Portugal nos quer secretamente dizer é que sabe que está doente – que é um hikikomori  - mas continua de bom humor.

É certo este padecimento já nos tem custado muito caro. Eu percebo que as notas são como os BPN, coisas muito asquerosas em que não apetece tocar, mas alguém tem de ir lá ver o que se passa e esse é o trabalho deles.

Se o estômago é fraco, há que mudar de ramo. Da venda de cupcakes  à carpintaria de limpos há muitas actividades higiénicas, produtivas e gratificantes por onde enveredar. Áreas em que se pode ser pago por via electrónica de modo a evitar a porcaria que nunca deixará de se agarrar ao dinheiro.



Sem comentários:

Enviar um comentário