quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Pechincha

substantivo feminino
1. [Popular]  Grande conveniência.
2. Recompensa imerecida.
3. Lucro inesperado.
4. Compra vantajosa.


Diz o DN que a Lonely Planet classificou Portugal no Top10 de sítios a visitar em 2014 sob a categoria best value.  A reputada editora destaca os bons preços de Albufeira, o maravilhoso café e doces por poucos euros e a possibilidade de fazer passeios baratos  nos eléctricos de Lisboa. Argumentos de mérito duvidoso mas quem sou eu para desmentir a Lonely Planet?

Portugal é uma pechincha. Oferece, como diz o dicionário, uma grande conveniência ao turista que nos escolher como destino de férias. Somos uma compra vantajosa, uma espécie de prémio que inesperadamente sai sempre, dado de forma imerecida a todos os estrangeiros que aterram na Portela. Demasiado bom para ser verdade.

Tão bom que nem me apetece entrar pelo que esta honra significa realmente. Interessa apenas destacar que a Lonely Planet tem razão. Este país é mesmo uma pechincha. O Museu Berardo não é bem o Prado mas é gratuito. A Torre de Belém não é de Eiffel mas é mais barata. E o nosso Coliseu está tão degradado como o de Roma mas tem palhaços no Natal.

O único problema de Portugal são mesmo os portugueses. Os médicos e reparadores de esquentadores que desconhecem o conceito da “hora marcada”, os condutores que galgam as filas de trânsito até se enfiarem, mesmo no último segundo, num espaço impossível, os empregados de café que nunca têm troco e desdenham as notas com que queremos pagar como se estas fossem notificações fiscais e os donos de cães sem trela que acham que basta dizer “ele não morde” para que uma criança deixe de estar aterrorizada com o animal que corre na sua direcção.

Portugal é um bom destino de férias. É barato e agradável para visitar e, nos últimos tempos, essa faceta tem sido bem cotada nas mais variadas publicações da especialidade por esse mundo fora, escritas por e para quem nunca teve de viver em Portugal. E de conviver com portugueses.


A pachorra volta dentro de momentos.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Anticonstitucionalissimamente


(anticonstitucionalíssimo + -mente)
advérbio
De modo muito anticonstitucional.


Quando andava na escola disseram-me que anticonstitucionalissimamente era a maior palavra da língua portuguesa.  Sempre achei que era uma palavra inventada para cumprir aquele que parece ser o desígnio do português moderno – entrar para o Guiness, seja a servir feijoadas na Vasco da Gama, a cozer uma tonelada de caracóis ou a fazer mega-sardinhadas, mega-piqueniques ou outra mega-qualquer-coisa, frequentemente relacionada com comida.

Anticonstitucionalissimamente seria, pensava eu, uma maneira habilidosa de arranjar mais uma entrada para o livro de recordes. Para, fazendo algo de completamente inútil, ficar na história. É que, afinal, qual a razão de se empregar uma palavra superlativa e impronunciável, quando se poderia simplesmente dizer que algo era feito de modo muito contrário à constituição?

Mais ou menos nessa altura, andava a direita política a tentar cumprir um sonho: uma maioria, um governo e um presidente. Estávamos no tempo da AD de Sá Carneiro que tentava juntar à maioria parlamentar formada pelo PSD, CDS e PPM (no tempo em que os monárquicos não eram a lástima que são hoje) e ao governo que chefiava, um presidente da república de direita.  Uma ideia que não pegou porque as pessoas perceberam o perigo de se perder a rede de segurança dada pelo controlo que os diferentes órgãos da democracia portuguesa exercem mutuamente.

Um controlo que se perdeu agora que esse sonho de Sá Carneiro se concretizou. Temos uma AD no parlamento e no governo e um militante do PSD na presidência. Um presidente que tem sido um amparo à inépcia política deste governo, que aceita ministros inaceitáveis, que finge não ver as tropelias de Portas e, acima de tudo, que deixa que este governo continue a infringir a lei fundamental vezes sem conta.

Finalmente este governo veio dar uso à tal palavra que parecia inventada. Este governo teima em governar anticonstitucionalissimamente. Como define o Priberam, de modo muito anticonstitucional. Usando uma imagem automobilística, Passos Coelho é um condutor que avança nos sinais vermelhos, passa pelas passadeiras quando há velhinhos a atravessá-las e entra em ruas de sentido proibido. É um condutor que despreza reiteradamente as regras porque sabe que tem sempre o mesmo polícia de trânsito que o deixa continuar apenas com um aviso “desta vez passa, vá lá e não repita”.

Cavaco, o polícia que não quer exercer a autoridade que só ele tem, assiste a esta exibição de irresponsabilidade sem levantar um dedo, deixando Passos ao volante de um país que não quer, não pode e não deve ir para onde o leva. Cavaco é um polícia mau quando a situação exigia um polícia bom, um que fizesse o seu trabalho – é só isso que se lhe pede -, cassando a carta a quem já mostrou que não conhece e não quer conhecer as regras fundamentais.


sábado, 26 de outubro de 2013

Mediato


adjectivo
1. Que não toca, não se aproxima ou não se executa directamente (por haver outro de permeio).
2. Indirecto, remoto.


A semana passada, ao telefone com o departamento das águas da Câmara Municipal do Melhor-Sítio-do-Mundo:

- Boa tarde, estou a ligar por causa de um email que vos escrevi há uma semana. É que e ainda não tive qualquer resposta.
- Dê-me só um momento, vou verificar se chegou, no departamento que recebe os emails.
- ...

O email estava lá. Pediram-me, por telefone, alguns elementos adicionais para apreciar o que lhes pedia. Ainda não me responderam.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Meteorologia


substantivo feminino
Parte da Física que trata dos fenómenos atmosféricos e das suas leis, especialmente com vista à previsão do tempo.


Sou do tempo em que a meteorologia tinha direito a um espaço televisivo próprio, apresentado por profissionais do ramo que se esforçavam por nos explicar as causas do que iria acontecer através de mapas cobertos de linhas e letras A e B, quando a única coisa que queríamos era perceber o que vestir no dia seguinte.

Era a época dourada da meteorologia em que o horário nobre televisivo era ocupado com expressões como anticiclone, superfície frontal, amplitude térmica ou boas abertas, saídos da boca de indivíduos com nomes venerandos como Anthímio. Enfim, divertimento e educação depois das agruras do telejornal e antes da novela. Um tempo que já não volta.

A TV já não tem isso mas a Protecção Civil, com os seus comunicados a alertar para temporais como os desta semana, tenta recuperar a importância que antes dávamos à meteorologia.

E a eloquência é tanta que ninguém lhes consegue ficar indiferente. Honestamente, quem é que pode ignorar avisos de que a precipitação será “persistente e por vezes intensa”? Ninguém. Mas logo a seguir, a Protecção Civil perde o ânimo alarmista e confessa que essa precipitação será superior a 10mm/h. 10 milímetros!? Parece menos que a primeira urina da manhã de qualquer individuo com a próstata saudável. Um conselho: se querem deixar as pessoas vigilantes, usem unidades como litros ou, a minha preferida, hectolitros, que por começar por h, invoca coisas desagradavelmente hiperbólicas como hecatombes ou hipermercados. Para com os habitantes do Alto Alentejo já foram mais cuidadosos. Avisaram que a situação era um pouco pior e que se previam acumulados de precipitação superiores a 40mm/6h. Se isto for um rácio, como eu desconfio que seja, é uma grandeza menor que 10mm/hora, mas sempre impressiona um bocado mais.

Pontualmente, continua a Protecção Civil, poderão organizar-se fenómenos convectivos mais intensos. Pois. O que são fenómenos convectivos ninguém desconfia e eles não explicam. O que explicam é que  podem dar origem a “trovoadas e fenómenos extremos de vento localizados”, o que já é compreensível. É como aquelas definições que aprendíamos na escola sem saber o seu significado: fenómenos convectivos são fenómenos que dão origem a fenómenos de vento localizados. Ficou claro? Como a água. Da chuva.

Depois, a Protecção Civil avisa-nos  do que pode vir a acontecer. Chama-lhes “efeitos expectáveis”. Entre outras, há a “possibilidade de inundação por transbordo de linhas de água nas zonas historicamente vulneráveis”. Trocado por miúdos, alertam-se os habitantes das zonas ribeirinhas onde costuma haver cheias para o facto de poderem vir a ocorrer cheias. Parece-me um bocado chover no molhado até porque dos outros seis efeitos previstos, três deles são cheias: cheias na estrada, cheias nas cidades (o “meio urbano”) e cheias no metro e nas garagens a que, de modo genial chama “estruturas urbanas subterrâneas”.     

O comunicado acaba com as medidas preventivas, todas elas tão deliciosas como numerosas pelo que apenas refiro aquela que desaconselha “actividades relacionadas com o mar”. Em concreto “passeios à beira-mar” (algo que me parece particularmente perigoso em dias de forte convecção) e “estacionamento de veículos na orla marítima”, essa actividade marítima tão do gosto dos cidadãos portugueses.

Anthímio, sei que te desprezámos mas, se te derem isto a ler, perdoa-nos, tira o carro da orla marítima e volta. 

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Remodelar


verbo transitivo
1. Modelar de novo.
2. [Figurado]  Refundir, dar nova forma a.



Cá em casa há uma divisão que precisa de ser remodelada. Desde que comprámos a casa, há mais de dez anos, nunca mais pintámos as paredes nem trocámos os móveis e isso já se reflecte de forma iniludível.

Claro que esta é uma decisão que custa a tomar. Não podemos gastar acima das nossas posses que, a acreditar no orçamento de estado para 2014 , vão poder deixar de se chamar assim. Vão chamar-se memórias.  

Por isso, andamos num debate entre a evidente necessidade de remodelar a tal divisão e a obrigatoriedade de garantir que há suficiente para a gestão corrente da casa.

Ao contrário de nós, o governo, que estava mais escaqueirado que a tal divisão cá de casa, decidiu remodelar-se. Em vez de fazer o necessário – deixar-se  derrubar e construir de novo, via eleições -, decidiu-se pela remodelação. O que nem é assim tão estranho  se pensarmos na dificuldade em lidar com a realidade que este governo vem demonstrando.

O que é bastante mais estranho é que um governo que no início não se importava de comer aquelas sandes de matéria mutante que servem na classe turística da TAP,  esteja agora a prever gastar, no próximo ano, 47,5 milhões de euros nas despesas dos gabinetes ministeriais. Ou seja, um aumento de despesa de 3,6 milhões de euros em assessores, motoristas, secretárias e sabe-se lá mais o quê de inegável e inevitável (palavra muito querida a este governo) interesse público.

Outra expressão muito querida neste governo é ajustamento. Tem dois sentidos, conforme o sujeito da frase. No meu caso significa aguentar a remodelação da tal divisão cá de casa até que haja alguma segurança de que o dinheiro não fará falta para qualquer outra coisa como roupa, electricidade ou novos impostos para pagar o outro ajustamento – o do governo – quando decide criar mais ministérios e secretarias de estado (e o governo já é maior que o anterior) para, em teoria, governar melhor.

Mas já que não conseguem e são cada vez mais, que tal dispensarem-me uns pares de braços para umas pinturas que preciso de fazer cá em casa?

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Parceria


(parceiro + -ia)
substantivo feminino
1. Sociedade comercial em que os sócios, parceiros ou compartes, apenas são responsáveis pelo quinhão ou parte com que entrarem e só lucram na proporção do que deram.
2. Relação de colaboração entre duas ou mais pessoas com vista à realização de um objectivo comum.

As PPP são fascinantes. Têm todos os condimentos de um bom livro, daqueles que conseguem ser épicos, românticos, misteriosos e até humorísticos.

Eu explico. As PPP são épicas porque permitiram criar heróis lendários cujas façanhas ficaram indelevelmente marcadas na história e na paisagem portuguesas não por actos de bravura, como os dos heróis gregos, mas por alcatrão. Muito alcatrão. Aqui há uns tempos pus-me a fazer contas e cheguei à conclusão que se fizeram estradas suficientes, em PPP, para cobrir toda a área do concelho de Lisboa.

Mais comezinho que o sonho do reverendo King, os nossos heróis sonharam com alcatrão. Alcatrão suficiente para nunca mais haver engarrafamentos e ainda sobrar espaço para maratonas, manifestações, ciclovias de seis faixas, tudo ao mesmo tempo. Enfim, mobilidade ad nauseam. Claro que é demasiada mobilidade para tão poucos sítios onde ir, mas isso é um detalhe. 

Não se pense que falo dos heróis gregos para, como diz o Casablancas, mijar no caixão do Sócrates. É que estas façanhas começaram antes, no tempo do que já fez por merecer o cognome d’O Desmemoriado ao não se lembrar das 105.378 acções do BPN, das reformas que ganha nem das obrigações que tem no lugar que agora ocupa. O sonho do alcatrão é um sonho antigo.

As PPP são românticas porque nascem do amor pela eficiência do mercado. Pela eficácia que a concorrência traz à gestão das coisas. Claro que em Portugal – e já mais que desconfio noutros lados – o mercado nunca é bem aquele mercado competitivo, isento, pulverizado, simétrico no poder e no acesso à informação. É um mercado em que mais de 60% dos quilómetros em PPP estão nas mãos de dois grupos com os Mello – aliás, a Brisa – à cabeça com 43% do alcatrão. No fundo o amor existe mas não é desinteressado. É um amor que junta na mesma cama políticos e empresários, mas em que o alvo das investidas excitadas somos nós, os que pagamos.

E se pagamos. Apesar das portagens introduzidas, das anunciadas renegociações e de um governo alegadamente reformista, o Orçamento de Estado para 2014 prevê que as PPP nos vão custar 1645 milhões de euros, mais de metade dos cortes em salários, pensões, escolas e hospitais que vamos ter no ano que vem, aqueles sobre os quais a ministra das finanças diz não nos devermos sentir injustiçados e que, segundo ela, são equitativos. Curiosamente omitido, é o facto de que, face ao que se previa o ano passado, os gastos com PPP rodoviárias serem, em 2014, superiores em 160 milhões de euros. E aqui está o mistério: o governo da consolidação, racionalização e das reformas estruturantes arranjou maneira de gastar mais dinheiro que o previsto, sem explicar como ou porquê. Misteriosamente também, deixou de publicar há cerca de um ano os relatórios periódicos sobre PPP.    

E o humor? Onde está a piada disto? Em nós. Levamos cortes e comparamo-los com os do vizinho do lado. Os que ainda trabalham acham bem que se corte aos reformados, os que trabalham no privado acham bem os cortes dos funcionários públicos, os que não fumam aplaudem o imposto sobre o tabaco e os que têm carro a gasolina concordam com impostos sobre o gasóleo. Somos os protagonistas daquela anedota em que dois tipos, depois de dias perdidos no deserto, são apanhados a roubar fruta no oásis do sultão. Este, como castigo, obriga-os a introduzir a fruta roubada naquele sítio onde o sol nunca brilha. Um deles, apanhado a roubar uma meloa, ri-se quando conhece a sentença: é que o outro tinha roubado uma melancia.

A anedota somos nós. Os parceiros de infortúnio que ao contrário do que define o Priberam, não percebemos que o nosso objectivo, o nosso destino, é comum.