segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Epístola


(grego epistolé, -és, ordem transmitida por um mensageiro, carta, missiva)
substantivo feminino
1. Carta, missiva.
2. Composição poética em forma de carta.
3. Carta dedicatória de obra literária.
4. Parte da missa em que se lêem alguns versículos de uma epístola dos apóstolos.

Caro João César,

Foi com redobrado prazer que o ouvi na rádio a explicar-nos que tudo o que se está a passar por cá é apenas uma fase. Que felizmente temos o escape da emigração – de pessoas que nem fazem falta – enquanto países como a Alemanha ou a Noruega, coitados, nem esse escape têm e que, por isso, um dia destes vão rebentar com tanta acumulação de gente desempregada.

Concordo consigo. A pior maneira de ajudar os que ganham o salário mínimo é aumentar esse salário. Sei que não o disse por convicta caridade cristã mas que estará convencido que muitas empresas agradeceriam poder pagar menos que os 485 € que já hoje as colocam no limiar da sobrevivência, a um passo de falir.

No fundo, ainda há países em África onde o escape da emigração é maior que o nosso e, se o mundo é composto de mudança – as economias ajustam-se (foi assim que disse, não foi?) -, também é feito de competição. E quanto mais baixos os salários, mais competitivos seremos. Só não percebo como é que o Burkina Faso não fez ainda o ajustamento que, segundo diz, já se sente em Portugal. Mas isso são mistérios que, melhor que eu, o João César desvendará.

Estou cansado de ler nas redes sociais comentários negativos à sua entrevista. Pagãos que não sabem que é mais fácil o João César passar no buraco de uma agulha que um pensionista chegar ao reino dos céus. (Acho que a parábola não é bem assim mas o meu conhecimento dos evangelhos anda tão por baixo como o da economia  - e como as minhas economias, já que falo nisso -, faça o favor de me desculpar).

Fazendo votos de que continue com essa espantosa lucidez, despeço-me com amizade, lembrando-o que o inquérito do Vaticano já está disponível para resposta e que as suas também boas ideias sobre o que deve ser uma família são, para nós, muito importantes.

Um abraço,


sábado, 16 de novembro de 2013

Exame

latim examen, -inis, enxame de abelhas, multidão)
substantivo masculino
1. Acto de examinar.
2. Inspecção; interrogatório; análise; prova a que alguém é submetido, para se verificar se está ou não habilitado a exercer um cargo, a obter um diploma, etc.

When I think back
On all the crap I learned in high school
It's a wonder
I can think at all
And though my lack of education
Hasn't hurt me none
I can read the writing on the wall
(Paul Simon)

A ideia do exame aos professores é tentadora. Significa pô-los no lugar onde me fizeram estar: horas a suar em bica a tentar lembrar-me de coisas tão abjectas como as séries de Taylor ou de quais os gases nobres (!) da tabela periódica. Pôr os professores à prova parece mais uma coisa um bocado vingativa de um aluno um bocado cábula, como eu, do que de um respeitável académico, como Crato.

Crato, quando não anda a chafurdar na política, ensina matemática e estatística. Cadeiras que, por regra, levam muita gente a exame na faculdade. Sentindo a falta disso, começou a aplicar exames a toda a gente, dos miúdos da quarta classe aos professores.

Crato devia alargar o âmbito da sua ideia e levar toda a gente a exame.  Taxistas, banqueiros e futebolistas. Todos, sem excepção, deveríamos periodicamente fazer provas para continuar a poder exercer a nossa profissão. E a coisa não se devia ficar pela vertente profissional. Deveriam haver exames de acesso à paternidade, ao matrimónio, ao arrendamento de uma casa ou, sejamos ambiciosos, à aquisição de serviços como a água ou gás canalizados.


Nem neoliberalismo nem socialismo. O futuro deste país passa pelo examinismo – a terceira via que finalmente nos conduzirá à sociedade em que os taxistas não cobrarão a mais, os banqueiros não serão burlões, os futebolistas não falharão penáltis e só haverá bons pais, maridos e vizinhos. E, claro, bons ministros.

sábado, 2 de novembro de 2013

Nulo

(latim nullus, -a, -um, de ne, não + ullus, -a, -um, algum, alguém)
adjectivo
1. Que nada vale; que não tem efeito ou valor.
2. Frívolo, vão.
3. Insignificante.
4. Nenhum.

Portas não quer mudar nada. Se quisesse mesmo mudar alguma coisa teria feito algo inédito no país: teria estudado os problemas e apontado estratégias de resolução. E, também ineditamente, fá-lo-ia dentro do prazo. Como Portas gosta do estado das coisas não fez nada disso. Antes, optou por um mau documento, pobre no conteúdo e desavergonhado na forma.

Escreveu à volta de quarenta páginas. Em metade delas descreve o que se vem passando (numa versão própria, a que Sócrates chamaria narrativa) e na outra metade desenvolve propostas genéricas, vazias e bacocas. Depois aumentou o tamanho da letra e o espaçamento entre linhas (não cabem mais de três parágrafos em cada página!) para que aquilo fingisse ter a dignidade exigível, ultrapassando as cem páginas.
Para além da perigosa ideia de fixar na constituição um limite para o défice orçamental (passo prévio para fenómenos como o shutdown nos EUA) e da bem-intencionada redução do número de municípios (uma ideia que sempre esbarra nos interesses das clientelas do Bloco Central), o documento detalha (a partir da página 69, antes tarde que nunca) algumas propostas.
Começa pela educação. Partindo da constatação de que há cada vez menos alunos, defende ideias como os exames nacionais (haverá medida menos inclusiva?), o financiamento público de escolas privadas (contraditório com a diminuição da procura antes identificada) ou a atribuição de responsabilidades educativas às autarquias, criando assim, centenas de redundâncias por esse país fora.
Na Segurança Social propõe limites às contribuições – esquecendo a componente redistributiva do sistema – e às reformas a atribuir, de modo a fomentar sistemas privados de pensões de reforma. Num sistema como o nosso – pay as you go –, Portas não explica como garante o financiamento até que cheguem, dentro de décadas, as poupanças desta opção. Também não explica os seus riscos associados às eventuais falências destes depositários privados e quanto podem custar ao estado quando for necessário garantir a sobrevivência a quem neles confiou.
Gostava de comentar o que propõe para a Saúde, mas não o entendo. Apenas transcrevo (copiando tal como está no Guião, formato incluído) a primeira proposta:
       aumentar a eficiência, sem comprometer a efetividade, na prestação de cuidados de saúde, com o objetivo de criar condições estruturais para que as unidades prestadoras de cuidados de saúde sejam sustentáveis no médio e longo prazos
Nada. Um parágrafo cheio de nada, típico de todo o documento.
Depois fala de redução de impostos (pois há eleições para ganhar ou, pelo menos, não perder por muito) e de medidas de racionalização da relação do estado com o utente das quais gostaria de destacar a ressurreição do socrático Simplex.
E é isto.
Tenho de dar a mão à palmatória a Passos Coelho. Conseguiu finalmente tomar uma medida de génio político. Ao dar a Portas a missão de reformar o estado mostrou-nos a nulidade do seu parceiro de coligação. É preguiçoso, falho de ideias ou estratégia, frívolo, insignificante e sem vergonha de o ser. É, em suma, alguém que não está à altura do Estado que ajuda a dirigir. Um Estado que precisa mesmo de uma mudança.
Uma mudança que não vai acontecer pela mão deste governo que, não esqueçamos, aprovou esta aberração. Uma mudança que, a julgar pelas poucas e más ideias que conseguiu concretizar, não é para melhor.



quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Pechincha

substantivo feminino
1. [Popular]  Grande conveniência.
2. Recompensa imerecida.
3. Lucro inesperado.
4. Compra vantajosa.


Diz o DN que a Lonely Planet classificou Portugal no Top10 de sítios a visitar em 2014 sob a categoria best value.  A reputada editora destaca os bons preços de Albufeira, o maravilhoso café e doces por poucos euros e a possibilidade de fazer passeios baratos  nos eléctricos de Lisboa. Argumentos de mérito duvidoso mas quem sou eu para desmentir a Lonely Planet?

Portugal é uma pechincha. Oferece, como diz o dicionário, uma grande conveniência ao turista que nos escolher como destino de férias. Somos uma compra vantajosa, uma espécie de prémio que inesperadamente sai sempre, dado de forma imerecida a todos os estrangeiros que aterram na Portela. Demasiado bom para ser verdade.

Tão bom que nem me apetece entrar pelo que esta honra significa realmente. Interessa apenas destacar que a Lonely Planet tem razão. Este país é mesmo uma pechincha. O Museu Berardo não é bem o Prado mas é gratuito. A Torre de Belém não é de Eiffel mas é mais barata. E o nosso Coliseu está tão degradado como o de Roma mas tem palhaços no Natal.

O único problema de Portugal são mesmo os portugueses. Os médicos e reparadores de esquentadores que desconhecem o conceito da “hora marcada”, os condutores que galgam as filas de trânsito até se enfiarem, mesmo no último segundo, num espaço impossível, os empregados de café que nunca têm troco e desdenham as notas com que queremos pagar como se estas fossem notificações fiscais e os donos de cães sem trela que acham que basta dizer “ele não morde” para que uma criança deixe de estar aterrorizada com o animal que corre na sua direcção.

Portugal é um bom destino de férias. É barato e agradável para visitar e, nos últimos tempos, essa faceta tem sido bem cotada nas mais variadas publicações da especialidade por esse mundo fora, escritas por e para quem nunca teve de viver em Portugal. E de conviver com portugueses.


A pachorra volta dentro de momentos.