sábado, 13 de dezembro de 2014

Culpado

adjectivo
1. Que tem ou cometeu culpa.
2. Causador (de mal ou dano).
substantivo masculino
3. Implicado; acusado; criminoso ou tido por criminoso.

"culpado", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/culpado [consultado em 13-12-2014].

Um amigo meu disse com piada que depois de ouvir as explicações do governador do Banco de Portugal,  do presidente da CMVM e, sobretudo, de Salgado, Morais Pires e Ricciardi que começava a desconfiar que a culpa seria afinal da empregada da limpeza.

E o pior é que alguns mostram que estão realmente convencidos que nada fizeram de errado. Na sua maneira de ver as coisas, é absolutamente normal que se venda aos clientes investimentos em empresas que sabem estar falidas, que se vá mandando dinheiro para Angola sem se saber para quê e para quem, que se abram sucursais em paraísos fiscais, que um banco português emita milhares de milhões de euros de obrigações em Londres, cotadas no Luxemburgo e que as venda a uma empresa na Suíça que as enfia num pacote e revende em Portugal.

Em abstracto é difícil encontrar nisto o que está errado ou pelo menos ilegal. É a liberdade de estabelecimento de empresas, de circulação de capitais, é o principio de que a eliminação de barreiras entre países facilita o desenvolvimento económico.

O problema é que é mais legal levar dinheiro de Lisboa para o Panamá do que atravessar o Mediterrâneo de Marrocos para Málaga. É mais fácil ter um visto dourado do que consegui o estatuto de refugiado. Os imigrantes africanos repugnam-nos, as fortunas africanas não.

E disto somos todos – as empregadas da limpeza na piada do meu amigo – culpados.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Impostar

(italiano impostare)
verbo transitivo
1. [Música]  Fixar o tom nas cordas vocais, para que a voz saia na sua plenitude, sem tremores ou vacilações.
2. [Música]  Fazer soar a voz de acordo com as técnicas do canto.
3. [Teatro]  Impor (o realizador ou encenador) um determinado estilo a (um espectáculo ou actor).

Ando por estes dias atormentado como os impostos. Não só porque se aproxima o cada vez mais caro IMI mas, principalmente, por causa da história da exclusividade do primeiro-ministro que afinal não foi violada já que não houve rendimentos recebidos. Eram apenas despesas de representação.

Despesas de representação era um expediente muito utilizado naquela altura (agora chamados os anos “SP” – safos por prescrição) para fugir aos impostos. Claro que se o homem fingia não receber o dinheiro não ia depois deixar de representar e prescindir do subsídio decorrente dessa exclusividade. Até imagino que caso o quisesse fazer seria alvo do mais temível bullying por parte dos seus pares na AR. Passaria por parvo, aquilo que o português mais detesta.

É que, afinal, o homem estava só a ser o que todos somos. Estava só a ser português.

O problema é que Portugal se europeizou. Tornou-se um bocado mais intolerante para com este tipo de expedientes. Aliás, o homem é um produto desta transformação. A pose frugal sustentada em viagens low cost, fatos baratos e férias em Albufeira ou lá o que é, resulta de um esforço de impostar. Não é natural, não é um estilo (uma “pinta”, no caso português) com que se nasça quando se nasce em Portugal. É, como explica o Priberam, uma imposição feita ao actor para que o espectáculo resulte como o criador o concebeu. É um artifício.

E é também uma pena. Ainda vemos taxistas a carregar no preço da corrida e peixeiras a carregar na balança mas é cada vez mais difícil concretizar estes pequenos delitos. É quase enternecedor ver os pequenos restaurantes a fugirem à factura como o diabo da cruz, a empurrarem o cliente para o indetectável pagamento em dinheiro em vez do revelador cartão. As placas a anunciar que “à caracóis” estão a ser tapadas por avisos de multibanco fora de serviço a uma cadência maior que a entrada em funcionamento dos computadores dos tribunais ou que a colocação de professores nas escolas.

Mas volto ao início para explicar o meu tormento. É que enquanto explicava a uma amiga a minha tese que desvaloriza o pecadilho do homem, atribuindo-o à inelutável natureza de quem nasceu em Portugal, perguntaram-me se eu alguma vez tinha fugido aos impostos.


Não repito aqui a resposta mas, a ter acontecido alguma coisa, já deve ter prescrito. Perguntem à PGR.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Esquizofrenia

(esquizo- + grego frên, -enós, diafragma, coração + -ia)
substantivo feminino
[Psiquiatria]  Doença mental complexa, caracterizada, por exemplo, pela incoerência mental, personalidade dissociada e ruptura de contacto com o mundo exterior


O primeiro-ministro diz que não se gasta um cêntimo de dinheiro público a resolver falências de privados.

A ministra das finanças diz que a pipa-de-massa (para usar o termo técnico apropriado) gasta no resgate do BES tem, afinal, impacto no orçamento (sim, as continhas do dinheiro público que se gasta) mas “não conta” e é meramente “um impacto estatístico”.

O jornalista que entrevista a ministra não explora esta nova concepção orçamental que trata de um modo um resgate bancário – despesa boa, que não afecta verdadeiramente o orçamento – e de outro modo coisas nocivas como as reformas, os salários ou os gastos na educação, para citar alguns exemplos.

Diz o dicionário que a esquizofrenia se caracteriza por manifestações de incoerência mental e por uma quebra de contacto com o mundo exterior.  

Sendo uma doença mental complexa, presumo que as suas vítimas não consigam funcionar em sociedade sem, pelo menos, algum tipo de tratamento que mitigue os seus efeitos. E que esse tratamento exija algum tempo de afastamento até que o doente recupere alguma da capacidade que a doença lhe rouba.

O dicionário não diz mas é rara a ocasião em que o doente consegue identificar em si próprio os sintomas da doença. É por isso nosso dever, quase caritativo, reportar os casos às autoridades que se possam encarregar de os levar para o justo tratamento.

Estão aí três.



quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Epitáfio

(latim epitaphius-ii)
substantivo masculino
1. Inscrição sepulcral.
2. Breve elogio fúnebre.


“Nota de agradecimento - O Conselho de Administração do Banco Espírito Santo manifesta o seu agradecimento pela confiança dos seus Clientes e Acionistas, pela lealdade e dedicação dos seus Colaboradores e pela cooperação das Autoridades Governamentais e de Supervisão.
Lisboa, 17 de março de 2014

Grupo Banco Espírito Santo, Relatório e Contas 2013, pág. 89

Quando acontece uma falência bancária surgem de imediato centenas de opiniões sobre a forma como (não) se preveniu, geriu e resolveu a questão. Debate-se a regulação e a qualidade da supervisão, debate-se a escolha entre um resgate com dinheiros públicos ou privados e debate-se quem deve pagar pelo falhanço (accionistas, credores ou depositantes). Só num ponto ninguém toca: não devia alguém ganhar com a falência de um banco?

Porque se há depositantes que merecem ser salvos, para que haja confiança no sistema bancário, também os devedores merecem ser recompensados. Afinal, venceram o jogo contra o banco. Sobreviveram ao banco. Sabendo o que nos custa – em euros e em anos - pagar as casas, os carros o os pequenos vícios que nos animam os dias, deveríamos ser premiados quando temos o talento ou a sorte de assistir, no nosso curto tempo de vida, à morte de instituições que chegam a durar séculos.

Sei que há o argumento de que isso não é lá muito sério, que os investidores nos bancos que morrem têm direitos e que esses créditos são a única coisa que lhes dá alguma esperança de recuperar parte do que investiram. Mas a quem perde quase tudo pouca diferença fará perder tudo. E fazia tanta gente feliz...

No meio de todas as opiniões que leio ninguém sai em defesa do direito dos devedores à felicidade. Do direito a serem premiados por ter ganho ao banco no jogo que mais importa, o da vida.

Era só isto.

Também gostava de ouvir alguém estranhar o facto de termos ouvido o Marques Mendes dizer na TV o que ia acontecer ao BES, com uma precisão infalível, um dia antes do Governador do Banco de Portugal o anunciar. Estranho ninguém se perguntar quando o soube – essa informação valia milhões (muitos) – nem como o soube. Mas isso era galhofar e gosto de ser levado a sério.

terça-feira, 22 de julho de 2014

Justiça

(latim justitia-aeconformidade com o direitoequidadebondade)
substantivo feminino
1. Prática e exercício do que é de direito.
2. Conformidade com o direito.
3. Direito.
4. Rectidão.
5. Magistrados e outros indivíduos do foro.
6. Poder judicial.
7. Lei penal.
8. Punição jurídica.
9. Uma das quatro virtudes cardeais.



Estou, como os Espírito Santo, caído na desgraça de ter a PT como credor. E, como eles, estou em incumprimento.

Para quem ache que o caso não é grave, a PT contratou uma multinacional de advogados – a Intrum Justitia - para me convencer a pagar o que lhe devo. E a Intrum Justitia (“dentro da justiça”, segundo o tradutor Google) não se desleixa nas tarefas que lhe acometem e já mostrou serviço sob a forma de duas simpáticas cartas.

A primeira, em Junho convidava-me a pagar a dívida de imediato num tom ameaçador “Deverá pagar Hoje” (textualmente, o sublinhado e a maiúscula) mas, ao mesmo tempo, pedagógico “uma vez que beneficiou de produto ou serviço prestado pelo Nosso Cliente”. Não fora o tom carregado do “pagar Hoje” e ainda lhes tinha escrito que não, não beneficiei do serviço prestado, pelo menos na integral extensão em que mo querem cobrar – do que avisei a PT atempadamente – e que, por isso, a facturação apresentada não corresponde à verdade. Mas se há coisa que me chateia é receber ordens estúpidas – seja na forma, seja no conteúdo.

Na segunda carta, recebida agora, a Intrum, lamenta-se pela minha falta de cordialidade: “não obtivemos da Vossa parte qualquer iniciativa concreta quanto à resolução amigável desta dívida.”, acrescentando que estão "certos que pretendo efectuar o pagamento”, pelo que propõem um plano de “três suaves prestações” mensais. O tom muda mas o erro subsiste: não propus nenhuma iniciativa por pouco concreta que fosse nem pretendo pagar o que reclamam.

Mais ainda, a Intrum erra nas contas e tenta enfiar um número que não é múltiplo de três nessas suaves prestações. Como é que o faz? Acrescenta um cêntimo à conta. Também me chateio com contas mal feitas, especialmente quando era tão fácil fazê-las bem já que o tal número era divisível por quatro –  e quatro prestações seriam mais “suaves” do que três.

A Intrum não erra só nas contas e no julgamento de intenções. Nessa mesma carta, avisa-me que há um Decreto-Lei (a firma de advogados chama-lhe  “Decreto de Lei”) que permite às operadoras inserir os meus dados “numa lista negra partilhada pelas operadoras” que lhes  permite “recusar a venda e prestação de serviço com base nessa informação”.

A ideia é tentadora – recebo mais chamadas e visitas de comerciais de telecomunicações (a PT veio cá hoje, ontem foi a Vodafone, no fim-de-semana ligou-me a NOS) do que da minha família e amigos – mas, infelizmente, errada.

É que a Intrum não está, afinal, por dentro da lei: andei a pesquisar e o montante que dizem que devo – sessenta e nove euros e oito cêntimos – é legalmente insuficiente (é preciso dever 97 euros) para me levar a esse paraíso onde os vendedores de telecomunicações não chegam.

E é aqui que lamento ainda não chegar aos calcanhares dos Espírito Santo. Esses já devem ter garantido o sossego durante várias gerações, a não ser que optem pelas “três suaves prestações”.

Mas não desanimo. A importância em dívida está a crescer à razão de treze cêntimos por mês, o que pelas minhas contas me permitirá o ingresso na invejável lista negra dentro de dezassete anos, dez meses e vinte e três dias.


Até lá, conto entreter os meus dias com as cartas da Intrum.  E com as histórias dos Espírito Santo.