domingo, 26 de janeiro de 2014

Praxe

(grego prâksis, -eos, acção, transacção, negócio)
substantivo feminino
1. Uso estabelecido. = COSTUME, ROTINA
2. Sistema ou conjunto de formalidades ou normas de conduta. = ETIQUETA, PRAGMÁTICA
3. O mesmo que praxe académica.

praxe académica
Conjunto de regras e costumes que governam as relações académicas numa universidade, baseado numa relação hierárquica.



No meio da justificada repulsa pela praxe que as mortes no Meco tem gerado por todo o lado não encontro quem constate um facto que me assalta quando penso no tema: os participantes são adultos.

Serem adultos - em português prosaico maiores e vacinados - significa que são indivíduos presumivelmente capazes de decidir entrar ou não nesse jogo de natureza sádica ou masoquista consoante o papel que lhes cabe.

Se um adulto usa o livre arbítrio que a lei lhe concede para surfar ondas de 30 metros, para se juntar a uma claque de futebol, para fumar três maços por dia ou para alinhar na praxe, é algo que só a si dirá respeito. Estar a culpar as praxes pela morte dos miúdos equivale a culpar as férias pelos que também morrem na praia no Verão.

Parece que as praxes são cada vez mais abjectas. Que facilmente descambam em violência física e moral degradante (e fatal, aparentemente) para quem a elas se submete. Isso deve ser perseguido pela justiça. Porque para isso já há leis.

O que pode e deve ser feito é ensinar aos miúdos que têm o direito de não participar. E vigiar e julgar criminalmente as azémolas que lhes  tentarem negar esse direito.


Ao contrário do que diz o Priberam, não há uma relação hierárquica a suportar as regras que formam a praxe. Há antes uma boçalidade que reproduz os instintos mais primários de alguns indivíduos que, felizmente, sendo hoje legalmente puníveis, serão tanto mais raros quanto melhor for o conhecimento sobre os direitos individuais inalienáveis.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Referendo


(latim referendus, -a, -um, particípio passado de refero, referre, trazer ou levar de novo, remeter, dar, responder, relatar)
substantivo masculino
1. [Diplomacia]  Mensagem que um representante diplomático expede ao seu governo a pedir novas instruções.
2. [Política]  Direito que têm os cidadãos de se pronunciarem directamente sobre as grandes questões de interesse geral.
3. Votação em que se exerce esse direito. = PLEBISCITO


A juventude existe para almofadar o choque entre o mimo inconsciente da infância e a brutal responsabilidade exigida quando chegamos à idade adulta. É a idade em que recebemos a liberdade, a vitalidade, a sensibilidade e a imaginação que antes não tínhamos e que, com a chegada ao estado adulto, nunca mais voltará.

É um estado, um estágio se preferirmos, em que podemos, sem consequências de maior, fazer aquilo que nos der na real gana. Serve para experimentar e ultrapassar os limites que mais tarde irão conduzir a nossa vida. A juventude é (e deve ser) um tempo em que investimos  em coisas como concertos de rock ou de música clássica, paixões violentas ou insignificantes, amizades eternas ou fugazes, viagens reais ou imaginárias – estas habitualmente proporcionadas por livros, estupefacientes ou diferentes tipos de bebidas alcoólicas -, e, acima de tudo a aprender. E é indispensável aprender muito nem que para isso se tenha de estudar. É a altura em que se exige que exageremos.

O que sempre me escapou ao entendimento é a opção dos que preferem gastar esse tempo de ouro (e de lama e de areia – preferencialmente da praia) aderindo a juventudes partidárias. Não ignoro que a juventude é a altura dos idealismos puros e exacerbados mas confundir isso com partidos políticos é como pegar em bugalhos para temperar a carne.

As jotas são a maneira de evitar a juventude tecnicolor e entrar directamente para o cinzentismo da idade adulta. As jotas são as juventudes cotas.

Os cotas partidários – especialmente os que já foram jotas - adoram as juventudes. Gostam do seu particular apreço por colar cartazes, buzinar nas campanhas e fazer claque em comícios.

Não me lembro de alguma vez ter visto o símbolo de uma jota no boletim de voto mas, aparentemente, têm acesso ao parlamento e conseguem estropiar o processo legislativo, anulando uma lei já votada em plenário e levando-a a referendo eleitoral. Não vale a pena tentar perceber se o fazem por frete ou por convicção: o nível de requinte é tão escatologicamente baixo para ambas que torna o esforço interpretativo perfeitamente escusado.

O que vale a pena é rentabilizar o custo do acto referendário (austeridade é coisa para velhinhos e funcionários públicos) para voltar a consultar a população sobre coisas importantes. Como diz o Priberam, sobre as grandes questões de interesse geral. Como o aborto, por exemplo.

Assim, deixo à discussão pública, pergunta formulada e tudo, a seguinte consulta sobre o aborto, essa chaga social:


- Devem os elementos da jotas ser impedidos de emitir qualquer opinião política antes de, comprovadamente, terem alcançado um nível intelectual igual ou superior ao de um gafanhoto?   

domingo, 5 de janeiro de 2014

Luto

(latim luctus, -us)
substantivo masculino
1. Sentimento, pesar pela morte de alguém. = NOJO
2. Traje usado em sinal de luto pela morte de alguém. =
3. Período após a morte de alguém em que é costume usar esse traje ou limitar determinados comportamentos. = DÓ, NOJO
4. [Psicanálise]  Processo durante o qual um indivíduo consegue desligar-se progressivamente da perda de um ente querido.
5. Sofrimento ou desgosto.


Na véspera do Dia de Reis veio a notícia que todos sabíamos que havia de vir mas esperávamos que nunca chegasse. O Rei, o verdadeiro mago, foi traído por um coração que, sendo maior do que a vida, não a quis mais animar, cansado das batalhas pelo seu – e meu – Benfica e pela sua – e minha – selecção. Batalhas que ajudou a combater - no relvado primeiro e de fora depois - levando a sua equipa a vitórias irrepetíveis e, inevitavelmente, às derrotas que todos os campeões também sofrem.

O Rei é uma lenda. Uma lenda que, como todas as outras, me chegou pela  tradição oral, pelo que me contavam os mais velhos, os que o viram nos relvados.

Só mais tarde consegui ver as imagens das proezas do Rei. Os testemunhos de arquivo da sua rapidez de pantera, do imparável drible, do remate indefensável. Um remate que concentrava toda a força de um corpo, dobrando-o sobre o pé - como nunca mais se viu –, na exacta fracção de segundo e de milímetro capaz de impelir a bola, à velocidade do som e do sonho, em direcção às redes, agitando-as naquela dança encantatória que, por mistério inexplicável, nos leva ao estádio semana após semana.

Não foi o talento que o fez Rei. O que o entronizou foi, sobretudo, o seu carácter: a admiração e respeito pelos adversários, a força interior que reunia para lutar contra desvantagens impossíveis ou a incapacidade de reagir contra a agressividade das defesas contrárias. Como ouvi hoje da boca de um seu adversário, Bobby Charlton, outra lenda, He didn’t have an evil thought in is mind.

O nome e a magia do Rei chegaram a todos os cantos do mundo. A notícia de hoje pode ser lida, vista e ouvida em meios de comunicação de toda a parte. Numa delas, escrita em paragens pouco dadas ao futebol, o Huffington Post diz que uma lenda morreu.

Engana-se. As lendas não morrem.


Perduram enquanto as pessoas se emocionarem com o génio, a humildade e o heroísmo apenas alcançável pela grandeza de carácter. Perduram enquanto os pais quiserem contar aos filhos boas histórias. Histórias de batalhas épicas, vitórias improváveis, finais felizes e valores éticos. Histórias como as do Rei Eusébio.