quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Impostar

(italiano impostare)
verbo transitivo
1. [Música]  Fixar o tom nas cordas vocais, para que a voz saia na sua plenitude, sem tremores ou vacilações.
2. [Música]  Fazer soar a voz de acordo com as técnicas do canto.
3. [Teatro]  Impor (o realizador ou encenador) um determinado estilo a (um espectáculo ou actor).

Ando por estes dias atormentado como os impostos. Não só porque se aproxima o cada vez mais caro IMI mas, principalmente, por causa da história da exclusividade do primeiro-ministro que afinal não foi violada já que não houve rendimentos recebidos. Eram apenas despesas de representação.

Despesas de representação era um expediente muito utilizado naquela altura (agora chamados os anos “SP” – safos por prescrição) para fugir aos impostos. Claro que se o homem fingia não receber o dinheiro não ia depois deixar de representar e prescindir do subsídio decorrente dessa exclusividade. Até imagino que caso o quisesse fazer seria alvo do mais temível bullying por parte dos seus pares na AR. Passaria por parvo, aquilo que o português mais detesta.

É que, afinal, o homem estava só a ser o que todos somos. Estava só a ser português.

O problema é que Portugal se europeizou. Tornou-se um bocado mais intolerante para com este tipo de expedientes. Aliás, o homem é um produto desta transformação. A pose frugal sustentada em viagens low cost, fatos baratos e férias em Albufeira ou lá o que é, resulta de um esforço de impostar. Não é natural, não é um estilo (uma “pinta”, no caso português) com que se nasça quando se nasce em Portugal. É, como explica o Priberam, uma imposição feita ao actor para que o espectáculo resulte como o criador o concebeu. É um artifício.

E é também uma pena. Ainda vemos taxistas a carregar no preço da corrida e peixeiras a carregar na balança mas é cada vez mais difícil concretizar estes pequenos delitos. É quase enternecedor ver os pequenos restaurantes a fugirem à factura como o diabo da cruz, a empurrarem o cliente para o indetectável pagamento em dinheiro em vez do revelador cartão. As placas a anunciar que “à caracóis” estão a ser tapadas por avisos de multibanco fora de serviço a uma cadência maior que a entrada em funcionamento dos computadores dos tribunais ou que a colocação de professores nas escolas.

Mas volto ao início para explicar o meu tormento. É que enquanto explicava a uma amiga a minha tese que desvaloriza o pecadilho do homem, atribuindo-o à inelutável natureza de quem nasceu em Portugal, perguntaram-me se eu alguma vez tinha fugido aos impostos.


Não repito aqui a resposta mas, a ter acontecido alguma coisa, já deve ter prescrito. Perguntem à PGR.