(origem controversa)
Marta voltou a deitar-se, fixou os olhos novamente no
tecto e calou-se.
substantivo feminino
1. Acto de mentir.
2. Engano propositado. = FALSIDADE
3. História falsa. = PATRANHA, PETA, TANGA
4. Aquilo que engana ou ilude. = FANTASIA, ILUSÃO
- E
se ninguém conseguisse mentir? – disse Marta, ainda ligeiramente ofegante, com
o olhar fixo no tecto.
Ele
franziu a testa. Abominava os seus devaneios utópicos sobre como o mundo devia
ser para ser melhor. Virou-se para a admoestar e evitar uma conversa que não
lhe apetecia ter mas a sua vontade foi vencida pelos olhos de avelã e pelas
sardas que pelo estio lhe salpicavam o veludo da pele branca, enchendo-lhe as
medidas e vazando-lhe a resistência.
Percebendo
que o tinha onde queria, ela fez um esgar imperceptível e virou-se à espera da
reacção.
-
Bom, não tenho a certeza de termos um mundo melhor. Para começar, a economia
ia-se ressentir. Já pensaste no desastre que seria termos vendedores
completamente honestos ou empresários a revelarem as suas dúvidas sobre os
efeitos dos seus produtos para a saúde ou o ambiente?
-
Sim –Marta já antecipava este cepticismo– mas isso seria um choque inicial.
Levaria à ruína dos desonestos, à conversão dos que ainda não perderam a noção
da verdade e à prosperidade dos que nunca tentam enganar os outros. Porque os
há, ou não acreditas?
Ele
fugiu à pergunta com novas objecções:
- E
na política? Veríamos candidatos revelarem os interesses que servem ou os
apoios de que se envergonham. A democracia deixaria de funcionar. Daria lugar à
anarquia ou à tirania. Era o fim da pouca paz que ainda existe.
-
Mas de que serve uma paz desonesta? – disse ela soerguendo-se apoiada no antebraço
esquerdo, voltada para ele. Este movimento desnudou-lhe os seios, visão que,
invariavelmente, o deixava num silêncio contemplativo e apatetado. Ela
aproveitou para continuar:
-
Não precisava de ser uma coisa imediata. A humanidade podia começar lentamente
a criar este hábito de ser verdadeiro, transmiti-lo de pais para filhos,
multiplicando-o pelas gerações até chegar a esse estado de honestidade
universal que ninguém estranharia. Um último passo da evolução, se quiseres. E
podia começar por nós. Faríamos da verdade o maior ensinamento aos nossos
filhos. Seriam eles os peregrinos de um mundo incapaz de mentir e...
- Já
percebi! – interrompeu, arrancado do estupor pela tempestade de ideias incómodas
que Marta atirava – E podemos começar já.
Acendeu
um cigarro, lançou o fumo e a pergunta:
- É
agora que me dizes o que foste fazer a casa do Jaime na semana passada?
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