quarta-feira, 12 de março de 2014

Fugir

(latim fugio-ire)
verbo intransitivo
1. Deixar um lugar depressa ou ocultamente.
2. Retirar em debandada.
3. Esconder-se.
4. Desaparecer.
5. Escapar.
6. Evitarlivrar-se.
7. Correr rapidamente.
verbo transitivo
8. Evitar.
9. Esquivar-se a.


Estou farto desta terra. Uma terra em que todos os dias são cinzentos. Em que as pessoas são pálidas como as casas e frias como as ruas. E do frio. Já não posso com este frio, com esta frieza. Tenho saudades de me ofuscar com o sol, de fechar os olhos ao sol e continuar a vê-lo, queimado nas pálpebras fechadas. Não consigo fazer isso aqui.

E estou farto de ouvir uma língua que não sabe dizer saudade.

Tenho saudades. Saudades de andar nas ruas do meu país. Tenho saudades de não ter medo de andar na rua. De não ser estrangeiro. De não terem medo de mim.

Tenho saudades da minha casa. Falta-me a minha casa e o abraço do meu pai e o carinho da minha mãe. Dói-me de saudades. Foi preciso sair do meu país para saber o que é uma dor assim. Uma dor que não percebo se começa por dentro e se espalha pelo corpo ou, ao contrário, começa por fora, na pele – nesta terra ninguém se toca - e depois mói e angustia por dentro.

Mas fugi do meu país, porque nele não podia viver. Sobrevivia, remediava-me, mas não vivia. Fugi do país onde o céu e o mar são azuis mas os recibos são verdes. Onde o trabalho honesto é cada vez mais raro e mal pago. Onde se desconta sobre os descontos, se corta sobre os cortes, se taxa sobre os impostos. Onde se corta o direito à vida digna.

E as pessoas deixam que lho façam. É um país desgovernado porque as pessoas não sabem – ou não querem saber, ainda não percebi – que podem escolher quem os governe em vez de quem se governe. Amofinam-se mas não se amotinam. Nem quando lhes infligem o mais duro golpe, o de verem fugir os filhos a quem quiseram dar a vida que não puderam ter. Mas a quem não conseguiram dar mais do que um bilhete de ida.

O meu país tem sol mas está cada vez mais escuro, mais morto.  Extingue-se a cada dia que passa sem perceber como estancar a sangria que o mata, que faz sofrer os que ficam e os que fogem. Sem perceber que o remédio que lhe vendem como cura é, afinal,  a doença que o aflige.


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