terça-feira, 22 de julho de 2014

Justiça

(latim justitia-aeconformidade com o direitoequidadebondade)
substantivo feminino
1. Prática e exercício do que é de direito.
2. Conformidade com o direito.
3. Direito.
4. Rectidão.
5. Magistrados e outros indivíduos do foro.
6. Poder judicial.
7. Lei penal.
8. Punição jurídica.
9. Uma das quatro virtudes cardeais.



Estou, como os Espírito Santo, caído na desgraça de ter a PT como credor. E, como eles, estou em incumprimento.

Para quem ache que o caso não é grave, a PT contratou uma multinacional de advogados – a Intrum Justitia - para me convencer a pagar o que lhe devo. E a Intrum Justitia (“dentro da justiça”, segundo o tradutor Google) não se desleixa nas tarefas que lhe acometem e já mostrou serviço sob a forma de duas simpáticas cartas.

A primeira, em Junho convidava-me a pagar a dívida de imediato num tom ameaçador “Deverá pagar Hoje” (textualmente, o sublinhado e a maiúscula) mas, ao mesmo tempo, pedagógico “uma vez que beneficiou de produto ou serviço prestado pelo Nosso Cliente”. Não fora o tom carregado do “pagar Hoje” e ainda lhes tinha escrito que não, não beneficiei do serviço prestado, pelo menos na integral extensão em que mo querem cobrar – do que avisei a PT atempadamente – e que, por isso, a facturação apresentada não corresponde à verdade. Mas se há coisa que me chateia é receber ordens estúpidas – seja na forma, seja no conteúdo.

Na segunda carta, recebida agora, a Intrum, lamenta-se pela minha falta de cordialidade: “não obtivemos da Vossa parte qualquer iniciativa concreta quanto à resolução amigável desta dívida.”, acrescentando que estão "certos que pretendo efectuar o pagamento”, pelo que propõem um plano de “três suaves prestações” mensais. O tom muda mas o erro subsiste: não propus nenhuma iniciativa por pouco concreta que fosse nem pretendo pagar o que reclamam.

Mais ainda, a Intrum erra nas contas e tenta enfiar um número que não é múltiplo de três nessas suaves prestações. Como é que o faz? Acrescenta um cêntimo à conta. Também me chateio com contas mal feitas, especialmente quando era tão fácil fazê-las bem já que o tal número era divisível por quatro –  e quatro prestações seriam mais “suaves” do que três.

A Intrum não erra só nas contas e no julgamento de intenções. Nessa mesma carta, avisa-me que há um Decreto-Lei (a firma de advogados chama-lhe  “Decreto de Lei”) que permite às operadoras inserir os meus dados “numa lista negra partilhada pelas operadoras” que lhes  permite “recusar a venda e prestação de serviço com base nessa informação”.

A ideia é tentadora – recebo mais chamadas e visitas de comerciais de telecomunicações (a PT veio cá hoje, ontem foi a Vodafone, no fim-de-semana ligou-me a NOS) do que da minha família e amigos – mas, infelizmente, errada.

É que a Intrum não está, afinal, por dentro da lei: andei a pesquisar e o montante que dizem que devo – sessenta e nove euros e oito cêntimos – é legalmente insuficiente (é preciso dever 97 euros) para me levar a esse paraíso onde os vendedores de telecomunicações não chegam.

E é aqui que lamento ainda não chegar aos calcanhares dos Espírito Santo. Esses já devem ter garantido o sossego durante várias gerações, a não ser que optem pelas “três suaves prestações”.

Mas não desanimo. A importância em dívida está a crescer à razão de treze cêntimos por mês, o que pelas minhas contas me permitirá o ingresso na invejável lista negra dentro de dezassete anos, dez meses e vinte e três dias.


Até lá, conto entreter os meus dias com as cartas da Intrum.  E com as histórias dos Espírito Santo.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Glorioso

adjectivo
1. Que dá glória; cheio de glória.
2. Bem-aventurado; ilustre, honrado.
3. [Irónico]  Vanglorioso, vaidoso.


Não me sai da cabeça a campanha prodigiosa que o Benfica fez esta época. Ganhar tudo o que havia nas competições portuguesas e ficar a dois penalties de também arrecadar a Liga Europa é coisa a que não se assiste com frequência e deve ser comemorado até que comece a próxima época. Pelo menos.

Muito provavelmente esta celebração continuada dos êxitos do glorioso pode ser apontada por adeptos de outros clubes como vaidade. Paciência. É mesmo vaidade. Se há momento em que devemos estar vaidosos do nosso clube, este é um deles.

Mas é preciso esclarecer que esta vaidade não assume o tom irónico que o dicionário lhe quer dar. É uma vaidade que não quer menosprezar os adeptos de outros clubes. É demasiado fácil ser do Benfica para fazer destes momentos um enxovalho para quem preferiu a difícil via de ser do Rio Ave, do Olhanense, do Sporting ou do Porto.

Porque o benfiquista não sabe o que é esperar trinta anos pela final da taça e perdê-la outra vez, não sabe o que é lutar para não descer de divisão, nunca teve jejuns de dezoito anos nem tem de se envergonhar com as conversas telefónicas dos seus dirigentes. Temos a vida muito facilitada.  Tão facilitada que os poucos momentos de desalento que às vezes nos calham são afastados por coisas tão pequenas como juntar o nosso desafino ao hino do Piçarra, a águia a sobrevoar o relvado ou um golo na segunda parte – quase sempre na baliza sul – a resolver um jogo mais complicado.

Vamos ter de mudar o cântico. Não foi só o campeão que voltou este ano. Voltou o campeão, o vencedor da taça da liga e o vencedor da taça de Portugal.  Moram todos no mesmo sítio. São todos o Benfica. Se nos lembrarmos das dezenas de clubes que tiveram de perder estas três provas para que nós as ganhássemos, temos aí mais uma boa razão para festejar: mostrar aos outros, os que perderam, o reconhecimento pelo valor que acrescentaram - pela bravura demonstrada – às nossas vitórias.


É isso que tenciono fazer.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Sonhar

verbo intransitivo
1. Ter um sonho ou sonhos.
2. Fantasiardevanear.
3. Ter ideia fixa.
4. Cuidar em.
5. Pensar com insistência em.
verbo transitivo
6. Ver em sonhos.



O homem que não conseguia sonhar estava sentado à beira do Tejo.

Se conseguisse sonhar tinha percebido o que a gaivota suspensa sobre o rio lhe tentava dizer. Que o desafiava a voar com ela em direcção ao sol que se punha, atrás do barco que partia.

Ouvi-la-ia contar-lhe as aventuras que se escondem para lá do horizonte. Histórias de flibusteiros e canhões, tesouros e sangue. Histórias de paixões quentes como o equador e amores eternos como os gelos polares.

Soubesse o homem sonhar, perceberia que a prata na superfície da água é a prata verdadeira. Sonharia pegar em toda aquela prata e comprar tudo o que não se compra: o ocaso de Junho sobre a barra de Lisboa ou um banco no Jardim da Estrela para se sentar naquelas tardes de Janeiro em que o Sol não disfarça o frio mas a companhia nos mantém quentes. Coisas assim.

Saberia, como só quem sonha sabe, que se pode adivinhar um futuro improvável. Saberia ainda que quando, inevitavelmente, esse futuro não chegasse, isso não seria doloroso, não seria uma desilusão. Saberia que sonhar é como saber que se pode voar como a gaivota e ao mesmo tempo saber que é impossível voar quando não se é uma gaivota.

Perceberia, enfim, que o sonho afinal não comanda a vida. Porque o sonho é a vida. É a parte da vida que nos mantém conscientes da vida real, aquela que não é sonho. Que nos dá a distância para perceber que a realidade por vezes supera o absurdo e, exactamente por isso, nos deixa a doce dúvida sobre a possibilidade de concretizar o que sonhamos. O que às vezes acontece.

Se o homem soubesse sonhar, tinha ali ficado a perder-se em sonhos de prata, de ouro e de aventuras, embalados pelas ondas do rio e pela sedução laranja que o horizonte de Lisboa às vezes forma a poente.

Mas não sabia sonhar.

Levantou-se, virou as costas as costas ao rio e voltou para casa.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Perdão

(origem controversa)
substantivo masculino
1. Remissão de culpadívida ou pena. = DESCULPA
2. Absolviçãoindulto.
3. Benevolênciaindulgência.
interjeição
4. Fórmula que exprime um pedido de desculpas.


Minha Querida,

Tive de partir.

Não consigo viver assim. A amar-te acima do que posso. A amar-te mais do que a vida, mais do que sei.

Sinto-me um funâmbulo desastrado sob o abismo que não consegue escolher o  ponto firme para onde caminhar. Incapaz de chegar a uma margem segura. O abismo és tu. Um abismo que me atrai exacerbadamente, com uma força irresistível.

Lembras-te de me explicares que a gravidade diminui com a distância entre os corpos? É isso. Tenho de me distanciar para fugir de me afundar em ti. De me perder - de deixar de ser - por ser teu.

Não tenho um segundo de paz comigo próprio. Falta-me a paz, falta-me o apetite e falta-me o ar. Não os quero porque só te quero a ti. Sempre. Não sabes o que é levantar-me de manhã e ter um só pensamento. Passar o dia com esse mesmo pensamento, o mesmo com que me deito. E mais nada. Mais nada. Nada.

Sofro, como vs.﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽o vo meu indiferente ick?  a voliçrque nimo medo. Medo de um amor que me mata vivo, que me tira de mim e deixa um restês.

Parto, ou fujo como sei que vais pensar, porque tenho medo. Medo de um amor que me mata vivo, que me tira de mim e deixa apenas um resto mecânico. Uma sobra orgânica sem vontade própria a funcionar em função de ti. Não porque o imponhas ou sequer desejes mas porque perto de ti sou essa carcaça que perdeu a vontade própria.

Deixo-te porque é isso ou o fim. Tenho de tentar vencer esta avalanche em que se transformou o amor que te tenho. Forço-me a fugir deste vale que ameaça tornar-se o do meu fim, soterrado por um amor asfixiante.

É imperdoável o que te faço fugindo mas se não o faço deixo de existir. E se deixo de existir deixo de te amar, o que não posso. Meu amor, não te deixo por ter medo de morrer. Deixo-te porque é a única maneira de conseguir amar-te. O único amor que alguma vez terei, agora e para sempre. Um amor que só pode sobreviver a uma distância segura.

É por isso que fujo.

Perdoa-me.